No Nordeste, o Rio Grande do Norte liderou a menor Taxa de Fecundidade Total (TFT) no ano de 2022, com média de 1,49 filho por mulher, número inferior tanto à média regional (1,60) quanto à nacional (1,55). Os números, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (27), levantam questionamentos sobre os motivos do adiamento da maternidade no estado.
De acordo com o IBGE, uma série de mudanças sociais, econômicas e culturais podem influenciar o comportamento reprodutivo das mulheres, como o aumento da escolaridade feminina e maior acesso a métodos contraceptivos. Outro fator é o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, como é o caso da fotógrafa aposentada Ana Silva, que teve a sua primeira gestação aos 40 anos. Ela conta que viu o tempo passando e a vontade de ter um filho não era uma prioridade, até já tinha planejado adotar uma criança, mas foi surpreendida com a gravidez inesperada em 2004.
Natal e Parnamirim lideram queda na fecundidade e consolidam novo perfil familiar no RN, aponta Censo
Hoje, com 61 anos, Ana enxerga o pensamento que ela teve há mais de 20 anos atrás como o mesmo que consome grande parte das mulheres atualmente, priorizando o trabalho e a vida pessoal. “Eu acho que hoje as mulheres estão mais liberais, elas fazem e agem como querem, não precisa mais todo mundo estar cobrando e ela cair [na cobrança]. Hoje elas estão mais modernas, estão pensando na carreira, pensando em viver sua vida. As mulheres são mais independentes totalmente. Então, antigamente tinha aquele estigma, uma mulher casa pra ter filho, mas de 20 anos pra cá, 30 anos, isso tem mudado bastante, mudou muito”, comentou.
O Rio Grande do Norte também cresceu de forma expressiva na idade média da fecundidade entre mulheres, saltando de 26,7 anos em 2010 para 28,4 anos em 2022, o maior índice entre todos os estados do Nordeste. Segundo os dados, Natal e Parnamirim estão entre as cidades com famílias de padrão reprodutivo cada vez menores.
Parnamirim destacou-se com os maiores percentuais de mulheres com até 2 filhos (33,03% com 1 e 35,29% com 2), enquanto os percentuais de mulheres com 6 filhos ou mais foram mais baixos em todas as localidades, especialmente em Parnamirim (4,87%) e Natal (5,91%). Na capital, 30,5% das mulheres têm apenas um filho, enquanto 33,1% têm dois.
Luana Myrrha, professora do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais da UFRN, explica que o adiamento da maternidade é um processo que vem ocorrendo desde a década de 70, mas que no Brasil tem acontecido de forma mais acelerada, principalmente entre mulheres com maior escolaridade, que preferem concluir seus estudos antes de pensar em ter filhos.
Segundo o censo do IBGE, no RN a taxa de fecundidade variou conforme o nível de instrução das mulheres. Aquelas sem instrução ou com fundamental incompleto (1,97) apresentaram a média mais elevada em comparação com mulheres com ensino superior completo (1,47) e com as que possuem ensino médio completo ou superior incompleto (1,29).
“As mulheres estão cada vez mais inseridas no mercado de trabalho, ocupando espaços antes dominados pelos homens. Isso reflete uma mudança comportamental e no papel das mulheres na sociedade. Elas não são mais responsáveis apenas pelo cuidado da casa, mas passaram a ser parte do mercado produtivo”, explicou a demógrafa.
A advogada Fernanda Peixoto acredita que o trabalho pesa na decisão. Segundo ela, muitos empregadores enxergam a gravidez de forma negativa, afetando na escolha de engravidar. Com 26 anos, Fernanda se sente pressionada a ter filhos antes dos 30, mas não enxerga a maternidade como uma prioridade antes de se estabelecer financeiramente. “A maternidade se encaixa nos meus planos quando eu alcançar a minha estabilidade financeira, ter a minha casa e um trabalho que eu não precise depender de ninguém”, destacou.
A especialista Luana Myrrha também destacou a demanda do trabalho doméstico e o cuidado com crianças como situações difíceis de equilibrar com o trabalho remunerado fora de casa, já que, culturalmente, as mulheres são as maiores responsáveis pelos afazeres de casa. “O cuidado, que sempre foi responsabilidade das mulheres, precisa ser compartilhado entre a família, a sociedade e o Estado. Isso inclui não apenas o cuidado com crianças, mas também com os idosos, um grupo em crescimento devido ao envelhecimento da população”, disse.
Para a demógrafa, a redução da população mais jovem também pode ser um fator prejudicial à economia futura. “A redução da fecundidade coloca o Brasil abaixo do nível de reposição populacional. Em poucos anos, a população brasileira pode começar a diminuir, o que afetará a sustentabilidade do mercado de trabalho e do sistema de previdência. Com menos crianças nascendo, haverá menos adultos para sustentar a população, o que gera um desafio em termos de sustentabilidade econômica”, completou.
No Rio Grande do Norte, a especialista alerta para a necessidade de pensar em políticas públicas direcionadas para essa nova dinâmica populacional, garantindo que o Estado consiga atender à demanda de uma população adulta e idosa. “O Rio Grande do Norte já apresenta municípios com taxas de crescimento negativo. A queda da fecundidade exige que o Estado se planeje para lidar com uma população envelhecida, com menos crianças e mais idosos”, concluiu.
Por Mayra Ferreira