Inaugurada em março deste ano sob a promessa de garantir segurança hídrica para milhares de potiguares, a Barragem de Oiticica acumula um volume de água de apenas 103,3 milhões de metros cúbicos, o equivalente a 13,92% da capacidade total, que é de 742,6 milhões de metros cúbicos. O baixo volume é registrado justamente no primeiro ano com perspectiva de seca desde que a construção do reservatório foi concluída. O Instituto de Gestão das Águas do Rio Grande do Norte (Igarn) atribui o baixo volume à ocorrência de chuvas abaixo da média em 2025 e à inconclusão de um trecho da barragem durante a quadra chuvosa de 2024, que registrou bons índices. Oiticica começou a ser construída em 2013 e enfrentou inúmeros atrasos até ser concluída.
O RN tem atualmente 74 municípios em estado de emergência, sendo 56 por conta da seca e 17 por estiagem. A expectativa é que o número de municípios aumente, especialmente no Seridó, onde se espera que o reservatório sirva para mitigar os efeitos da seca. Esse papel, designado para Oiticica, ainda não será cumprido em 2025. Por um lado, porque, inconclusa no ano passado, quando houve um bom volume de chuvas, a barragem não conseguiu armazenar um grande volume de água. Por outro lado, a infraestrutura necessária para levar a água armazenada às regiões atendidas ainda não foi concluída.
A conclusão das obras no ano passado foi travada, segundo o Igarn, por um acordo extrajudicial que previa a alocação de famílias das proximidades da barragem para as agrovilas. Ainda segundo o órgão, para que Oiticica consiga tender todo o Seridó, o volume ideal estimado é de 50%. O reservatório, de acordo com o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) tem capacidade para abastecer até 2 milhões de pessoas.
O processo de construção da Barragem de Oiticica teve início em 26 de junho de 2013 e, ao longo dos anos, passaram por ajustes para atender às demandas da população local, como o assentamento de moradores em agrovilas. Entre elas, destacam-se o assentamento da comunidade Nova Barra de Santana, e a criação das Agrovilas de Jucurutu, Jardim de Piranhas e de São Fernando.
“O volume da barragem está baixo porque, durante a quadra chuvosa de 2024 — apesar do bom volume de chuvas naquele período — um trecho de 200 metros da parede ainda não havia sido concluído. Isso ocorreu devido a um acordo extrajudicial entre o Movimento dos Atingidos pela Barragem e o Governo, que previa a realocação de famílias do entorno para as Agrovilas. Já neste ano, embora a obra esteja finalizada, as chuvas não foram suficientes para garantir uma boa recarga do manancial. Então foi necessário concluir essas desapropriações, além da retirada da rede elétrica para somente então fechar a parede”, explicou o Igarn.
Apesar de baixo, segundo o Instituto de Gestão de Águas, o volume de Oiticica é superior ao de muitos outros reservatórios do RN, como o açude Itans, em Caicó, que está com 325.111 m³ de água, ou a barragem de Pau dos Ferros, que está com 20.758.118 m³. Segundo o Igarn, uma parcela da população do município de Jucurutu, região onde está localizada a barragem, é atendida pelo volume atual.
“É feito o atendimento ao abastecimento da cidade de Jucurutu [perímetro urbano], à piscicultura, ao abastecimento de Nova Barra de Santana [distrito de Jucurutu], com cerca de 800 pessoas, e todo o entorno da bacia hidráulica da barragem, para as produções e dessedentação (fornecimento de água) animal. Mas é importante que na quadra chuvosa de 2026 nós possamos ter um volume muito maior de água, e quem sabe a barragem com pelo menos 50% do volume, para atender plenamente toda a região”, aponta o Igarn.
Ausência de projetos
De acordo com especialistas ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE, a Barragem de Oiticica tem função estratégica para o suporte hídrico na região e também para a prevenção de inundações em casos de períodos com chuvas acima da média. Esse controle é permitido porque Oiticica, que está no leito do Rio Piranhas-Açu, recebe as águas deste manancial, ao mesmo tempo em que está conectada à Barragem Armando Ribeiro Gonçalves. Mas a falta de projetos que garantam o abastecimento de água para as populações da região ainda representa um gargalo.
“A construção da barragem é um marco para o Rio Grande do Norte, porque ela tem uma função muito importante na proteção de inundações, segurando as águas que iriam para a Armando Ribeiro em caso de cheias ou reforçando o volume dela [da Armando Ribeiro] em períodos de seca. Por isso, Oiticica não pode ficar completamente cheia, já que também exerce um papel de proteger a região de inundações. O ponto é que, enquanto não houver projetos de utilização da água para as populações, ela não será considerada uma reserva hídrica para o Seridó” , fala João Abner, especialista em Recursos Hídricos.
A professora Adelana Gonçalves Maia, dos cursos de Engenharia Civil e Engenharia Ambiental da UFRN, explica que a construção de Oiticica tem a ver com a situação de colapso que costuma afetar os municípios da região em períodos de seca prolongada, mesmo essas cidades já tendo um sistema de abastecimento. “Então, é como se a barragem fosse um plano ‘B’. Para medir o impacto de Oiticica na autonomia hídrica da região é preciso levar em conta quais reservatórios ela está atendendo. Mas para projetos futuros, como o Seridó, certamente, será necessário um volume maior do que o atual”, analisa.
O Projeto Seridó está dividido em dois eixos (Norte e Sul), desenvolvido pelo MIDR, com previsão de beneficiar cerca de 300 mil pessoas em 22 municípios da região. O Seridó Norte, de acordo com a Semarh, irá levar infraestrutura hídrica a cidades como Florânia, São Vicente, Currais Novos, Cruzeta e Acari. A previsão de entrega de grande parte do projeto é o primeiro semestre de 2026. “Por intervenção do Governo do Estado, as obras desse trecho foram aceleradas e estão em fase de conclusão”, disse a pasta.
O Seridó Norte está dividido em cinco trechos (1N, 2N, 3N, 4N e 5N). Segundo a Semarh, quatro deles já foram licitados e estão com obras em execução. São esses trechos que têm previsão de conclusão para o próximo ano. A Secretaria informou que ainda falta ao Governo Federal licitar o terceiro trecho, que vai levar água para Serra de Santana. Além disso, o Seridó Sul está com o projeto executivo concluído, mas sem previsão de licitação.
O Projeto Seridó consiste na implantação de sistemas adutores para captação de água em reservatórios já existentes no sul da região, atendendo a pequenas demandas, e também na retirada e transferências de água armazenada nas barragens de Oiticica e Armando Ribeiro Gonçalves, no caso de demandas mais significativas previstas até o ano de 2070.
Uma das agrovilas ainda não foi concluída
A barragem de Oiticica faz parte do Complexo Hidrossocial inaugurado no dia 19 de março deste ano sem que todas as indenizações referentes a desapropriações fossem quitadas e sem a conclusão de duas agrovilas. Segundo a Semarh, a Procuradoria Geral do Estado (PGE-RN) ainda faz alinhamentos para proceder com o processo de seis indenizações pendentes. Em relação às agrovilas, uma delas foi concluída (a de São Fernando), mas a segunda (de Jardim de Piranhas), ainda está em fase de conclusão.

Federações ligadas a setores beneficiados pela barragem disseram à reportagem que a situação atual de Oiticica deve ser avaliada levando em consideração as diversas especificidades do processo de construção. A expectativa de que a tão sonhada segurança hídrica chegue, de fato, à região, está sempre em alta. “A barragem foi oficialmente inaugurada em março passado e, seu enchimento completo é naturalmente gradual, especialmente devido à dependência das chuvas típicas do semiárido potiguar (que normalmente se concentram entre fevereiro e maio)”, disse José Vieira, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do RN (Faern). “Apesar de causar preocupação, a Oiticica ainda se encontra em ciclo inicial de operação, num processo de estabilização e não figura entre os reservatórios em situação crítica, segundo o Igarn”, acrescentou.
Erivam do Carmo, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (Fetarn), afirma que o volume da Oiticica irá conseguir suprir a demanda atendida pelo manancial atualmente [Jucurutu e áreas vizinhas], mas ele avalia que, se tivesse ficado pronta antes, o cenário poderia ser bem mais favorável.
“O volume que a barragem tem é suficiente para o uso atual desde que feito com racionalidade. Mas se a conclusão tivesse ocorrido antes, teríamos outro cenário, sem dúvida, porque no ano passado, por exemplo, choveu bastante na região”, comenta Erivam.
Por TN