O Censo Nacional das Unidades Básicas de Saúde (UBS) 2025 revela um dado preocupante sobre o funcionamento das unidades de atenção primária à saúde em todo o País. De acordo com o estudo, 77,3% das UBS do Nordeste têm apenas um médico. Outras 10,9% contam com dois profissionais, e apenas 3,1% têm três médicos. Em contrapartida, 4,5% das unidades não contam com nenhum médico. A média nacional apresenta um quadro ligeiramente mais favorável: 59,3% das UBS no Brasil têm um médico e 3,8% das unidades em todo o País funcionam sem nenhum médico.
Embora o levantamento do Ministério da Saúde, divulgado no último dia 30 de junho, com dados referentes a junho e setembro do ano passado, traga apenas o número de estabelecimentos por estado, os dados regionais mostram que a maior parte das UBS no Nordeste funciona com apenas um médico, e uma parcela ainda opera sem nenhum profissional da medicina. No Rio Grande do Norte, onde 1.232 UBS responderam ao censo, a realidade tende a seguir o mesmo padrão, como apontam relatos de usuários e profissionais da área.
A reportagem da TRIBUNA DO NORTE buscou as secretarias de Saúde do Estado e de Natal. A Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap) disse que a organização das UBS é de competência dos municípios e que é responsável por dar “apoio na política de atenção básica, o que vem fornecendo por meio de qualificação profissional e suporte na habilitação de equipes que atuam na área”.
A Secretaria de Saúde de Natal informou que todas as 60 Unidades Básicas de Saúde (UBS) da capital contam atualmente com ao menos dois médicos em atuação, não havendo nenhuma unidade sem profissional da medicina. Em relação aos enfermeiros, apenas uma unidade possui apenas um profissional, enquanto as demais contam com dois ou mais. A pasta aponta como principal desafio a dificuldade de contratar e reter médicos e enfermeiros, devido à alta rotatividade e à competição de mercado. Um estudo está em andamento para viabilizar a contratação de mais profissionais, com foco no fortalecimento dos serviços de atenção primária, especialmente em regiões mais vulneráveis da cidade.
A situação em Natal reflete parte desse desafio, analisa Geraldo Ferreira, presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Norte (Sinmed-RN). “Tomamos conhecimento que em Natal nós temos 79 médicos do Programa Mais Médicos. Metade das equipes de Natal são do Programa Mais Médicos. A Prefeitura tem um déficit muito grande de contratação. O programa é importante, mas a gente tem que lembrar que esse programa é de estagiários. Eles não vão ficar permanentes, a Prefeitura tem que fazer concurso. E o Brasil como um todo tem que fazer concurso”, afirma.
Além da falta de concursos públicos para garantir a permanência de médicos, Ferreira critica o modelo adotado atualmente. “O modelo que está se adotando para a saúde não é o que beneficia mais profundamente a população. Este modelo precisa ser baseado em concurso e em fixação do médico. O que está havendo no Brasil é a utilização do Programa Mais Médicos, que todo município corre atrás, porque a verba é federal. E depois o modelo que é mais imoral ainda, que é o modelo de terceirizações, onde o médico não tem direito nenhum, o dinheiro fica com a empresa, os atrasos são de quatro a seis meses e há uma alta rotatividade desses médicos”, pontua.
O Censo das UBS é um levantamento feito pelo Ministério da Saúde com o objetivo de mapear a estrutura, os serviços oferecidos e os recursos humanos disponíveis nas unidades de atenção primária em todo o País. A última edição ouviu aproximadamente 44 mil estabelecimentos para atualizar o retrato da rede que representa a porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS). O estudo coleta informações sobre o número de médicos e enfermeiros, condições de acessibilidade, oferta de serviços, informatização, presença de farmácia, consultórios e salas especializadas, entre outros aspectos fundamentais para o funcionamento da atenção básica.
Realidade nas unidades natalenses
Enquanto os dados técnicos apontam para limitações estruturais, os relatos da população mostram como essa realidade se manifesta no dia a dia. Maria Salete, de 75 anos, aposentada e moradora do bairro Potengi, frequenta a UBS Soledade I, na região da Pedra do Sino. Ela lembra que a situação já foi mais complicada para buscar atendimentos e fazer tratamentos nas unidades públicas de saúde. Apesar de ainda encontrar dificuldades de marcação de exames e na própria infraestrutura da unidade, a aposentada diz que já enfrentou outros problemas.
“Já aconteceu de faltar médicos, demora no atendimento, às vezes a questão das fichas também era bastante difícil, a pessoa tinha que vir aqui de madrugada ficar esperando, então falta essa organização. Hoje a situação está melhor, mas sempre pode melhorar. Acabei de ver que minha pressão está 17 por 8, está alta, então já vou ter que ir para a UPA. É difícil também esse deslocamento para uma pessoa da minha idade, eu não estou aguentando, mas é isso. Vai dar tudo certo com fé em Deus”, desabafa.
Situação semelhante é observada por Ana Carla, de 42 anos, cozinheira e moradora do bairro Planalto. Ela frequenta a UBS Rosângela Lima, que atende boa parte da população dos bairros da zona Oeste. “Aqui na unidade sempre sou bem atendida, todas as vezes que precisei, mas acontece muito isso na Saúde como um todo, da pessoa precisar e não ter médico. Aqui por enquanto está funcionando, só a questão da demora que é um pouco difícil, às vezes o sistema fica fora do ar também e isso atrasa a nossa vida”, comenta.
A falta de profissionais também traz memórias dolorosas para muitos usuários. Regina Costa, de 52 anos, dona de casa e moradora de Brasília Teimosa, lembra de um episódio traumático. “Hoje as coisas estão bem melhores, a gente consegue marcar exames, tem médicos, mas já aconteceu comigo de passar situações de não ter profissionais, passei até uma situação em que perdi minha mãe por incompetência no atendimento. Foi uma situação bem traumática. Seria …